Cidadãos fazem renascer o espírito de vizinhança… no Facebook
A Associação “Vizinhos Em Lisboa – Associação De Moradores”, fundada em fevereiro deste ano, assume-se como uma nova rede de cidadania local para a cidade de Lisboa, que se pauta pela independência política, pelo foco na cidadania ativa e respeito por todas as opiniões e contributos dos cidadãos. Nasceu de um movimento inicialmente criado na freguesia do Areeiro, e hoje está já também na Penha de França, em Alvalade, nas Avenidas Novas e em Arroios.
Segue-se uma entrevista com Rui Martins, fundador do grupo e ativista de causas locais e de âmbito nacional.
Como, quando e porque nasceu a ideia de criar o grupo Vizinhos do Areeiro?
A ideia de lançar um projecto de cidadania activa e digital, de base hiperlocal (uma freguesia) começou em Março de 2016. A ideia foi inspirada num grupo onde também estou activo – mas de âmbito maior – o Fórum Cidadania Lx e utilizando as potencialidades criadas pela presença da maioria dos habitantes no Areeiro na rede social facebook.
Para além do site, têm uma página e um grupo no Facebook. Porque escolheram o Facebook para alojar a atividade deste grupo?
Porque é nesta rede que estão, hoje, a maioria dos portugueses adultos. Com efeito a penetração desta rede social nos cidadãos portugueses é hoje em dia muito elevada. Estimamos que existam cerca de dez mil utilizadores na freguesia do Areeiro – onde começámos – dos quais cerca de metade acedem a esta rede pelo menos uma vez por dia (transferindo para a realidade local números nacionais) o que significa que hoje, com mais de 3400 membros, já estamos presentes, via núcleo local Vizinhos do Areeiro, em mais de metade dos lares do Areeiro. É uma taxa de presença interessante que nos dá uma presença local que não está, sequer, perto de qualquer outro meio de comunicação ou de convivência e partilha de situações, realidades ou comunidades.

O grupo Vizinhos do Areeiro no Facebook tem hoje 3309 membros e, às 10h00 do dia em que publicamos esta entrevista, já tinha registava 13 posts
Qual o perfil das pessoas que interagem com a página do grupo no Facebook? E de que forma interagem?
São pessoas que vivem ou trabalham no Areeiro. Essa é uma das regras de entrada: sendo que no grupo apenas entram que o desejar fazer (não adicionamos membros) e que concorde cumprir as regras de participação e o código de conduta que aplicamos de uma forma rigorosa e algo severa para impedir as flamewars comuns nestes meios digitais. São também pessoas, maioritariamente, com mais de 25 anos, mas sobretudo entre os 35 e os 54 anos. 57.7% mulheres.

Os novos membros só são aceites depois de concordem cumprir as regras de participação claramente listadas na página do grupo no Facebook
O grupo tem 4 moderadores, certo? Qual a exigência de tempo que representa a gestão e moderação de um grupo como este?
Temos entre nós uma certa divisão de tarefas, mas as mais urgentes (essencialmente a gestão de conflitos criados por posts polémicos) são tratadas por todos. A entrada e bloqueio de elementos que violem as regras está concentrada em mim porque conheço o grupo e os seus membros deste o começo do grupo e, sobretudo, porque ao longo deste tempo todo pude aprender muito sobre a forma como se mascaram os trolls ou os perfis falsos ou duplos que existem nestes meios e que tentam entrar nos grupos mais ativos com o objetivo de minar a sua credibilidade ou de vender empréstimos ou outro tipo de serviços.
O interesse das pessoas pela sua rua ou pelo seu bairro pode despertar atitudes apaixonadas mas nem sempre corretas ou construtivas. De que forma lidam com esse tipo de situações?
Muito… Há temas que assim que surgem levam, sempre, a debates inflamados: as ciclovias, os dejectos caninos, a urina canina em portas e candeeiros, o Alojamento Local, etc. As regras existem basicamente para manter o debate contido e dentro dos limites impostos pela lei.
Geralmente, em casos mais extremos, o prevaricador é expulso sem aviso, noutros e sendo um membro mais antigo, é enviado um pedido de contenção ou de remoção do conteúdo mais polémico. Estas questões surgem mais nas caixas de comentários porque nos posts este passam por um processo de pré-aprovação o que permite atalhar, na base, logo essas maiores polémicas.
Sentem necessidade de organizar iniciativas offline para complementar o trabalho que desenvolvem online?
Muito. A regra é ter sempre planeada uma actividade offline a cada momento. Temos, actualmente, planeada, por exemplo, uma “Volta ao Areeiro” com passagem por vários pontos de interesse da freguesia com explicação.
Já fizemos jantares de grupo, debates públicos (sobre “Cidadania Local e Facebook” e outro sobre a Lei das Rendas), presenças, várias, em Reuniões Descentralizadas da CML, audições em comissões parlamentares sobre petições, arrendamento urbano e Alojamento Local, presenças na Assembleia Municipal (período antes da ordem-do-dia, em comissões ou para defesa de petições), presença – assídua – nas assembleias de freguesia e nas reuniões abertas do Executivo, e, sempre que nos pedem, reuniões ou voltas pela freguesia com forças políticas.
Isso quer dizer que as forças políticas, a Junta de Freguesia do Areeiro e da Câmara Municipal de Lisboa reconhecem o trabalho que desenvolvem? Consideram-no uma mais valia e uma forma de melhor auscultar as necessidades e desejos das pessoas ou, pelo contrário, veem-no como um incómodo?
A CML sempre reagiu de forma mais fácil e ágil, provavelmente porque não somos o único grupo de cidadania local activo na cidade (e existem outras associações de moradores que funcionam de forma tão activa e dinâmica como nós).
A Junta, no começo reagiu de forma diferente, quer porque as competências da Junta foram muito alargadas pouco antes de começarmos a existir e não estava preparada para a aparição de um grupo de cidadania local tão activo mas politicamente desprendido como nós.
Hoje em dia, a CML continua a não responder a todos os pedidos e sugestões que fazemos (temos uma lista de pendentes que mantemos actualizada e que refrescamos a cada reunião descentralizada), a Junta tem uma lista mais extensa de pendentes, quer porque a quantidade absoluta de pedidos e sugestões é maior do que a enviada para a CML quer porque ainda não assumiu a mesma capacidade de resposta. Mas sentimos uma evolução muito positiva em ambas as autarquias e, sobretudo, uma atitude de compreensão e aceitação por esta realidade de existir, agora, uma rede de cidadania local, muito activa nesta freguesia.

No website, graças às etiquetas de classificação (tags) é fácil navegar os textos de acordo com o tema a que dizem respeito e é também rápido ver em que estado se encontra o pedido / proposta à autarquia (por resolver, em resolução, resolvido, respondido)
De que forma é que este grupo contribui para a vida da freguesia e da cidade?
Os benefícios são visíveis e registam-se em cada rua, passeio ou bairro. A qualidade do espaço urbano é superior ao que era há um par de anos, quando começámos. Ao longo dos dois anos que levamos de vida conseguimos várias realizações, especialmente em reação a problemas que na componente propositiva às autarquias temos encontrado maiores resistências…
Os passeios da freguesia estão mais bem cuidados do que nunca, os candeeiros raramente têm as luzes apagadas e os casos mais graves de limpeza urbana são rapidamente corrigidos após indicação de alguém da nossa rede. Algumas sugestões são implementadas sem que nos deem feedback, quer porque coincidem com projectos que já estavam em curso quer por outras razões: contentores de compostagem, obras indicadas pela CML para varandas e beirais em risco de queda (um levantamento que fizemos), devolutos (mapa) na freguesia, disponibilização de protocolos e parcerias nos sites das autarquias, falta de meios da PSP (reforçados recentemente após petição e audiências com vários grupos parlamentares), sessões de esclarecimento sobre obras polémicas (p.ex. a do Bairro do Arco do Cego), etc, etc.
Noutras questões a resposta é menos eficaz quer porque o problema extravase o âmbito e competências da autarquia (p.ex. na Municipalização do Bairro Portugal Novo, nos meios da PSP e nas questões decorrentes do consumo de álcool na via pública, entre outros).
De facto, onde há mais lacunas é mesmo na parte propositiva da nossa actividade: a Junta, frequentemente, não responde às nossas ideias e sugestões. E a CML idem: ideias como a criação de uma Assembleia Deliberativa de base aleatória, um “Cine Materno”, encerramento de jardins e creches.

O grupo Vizinhos do Areeiro também ajuda os membros a agir, intermediando as suas sugestões ou denúncias quando não se sentem habilitados para o fazer
Os Vizinhos do Areeiro fazem propostas e pedidos regulares à CML e à Junta de Freguesia em nome de membros específicos que manifestaram o seu apoio (por exemplo este). Como identificam essas pessoas?
O modelo está em evolução permanente. Actualmente usamos o botão “zangado” (?) como voto negativo. Se ao fim de 24 horas houver mais “zangados” que “gostos” a subscrição é descartada. O mesmo acontece se não houver cerca de 10% 1% de “gostos” um dia depois da subscrição ser lançada.
A lista de nomes que incluímos na comunicação às entidades é a que existe na altura do envio da mesma (e registo dos subscritores no site) pelo que é sempre possível que mais pessoas, depois, acedam ao link da subscrição no grupo e adicionem o seu próprio nome. Claro, que nesse caso, o seu nome não consta do documento enviado à autarquia.
Descrevem os Vizinhos do Areeiro como uma iniciativa de sucesso. Porquê? O que os leva a considerar este trabalho como bem sucedido?
Pelo capacidade de produzirmos efeito no mundo real e concreto e de fazermos sair as pessoas do sofá e de uma vida unicamente virtual. Conseguimos contribuir para a criação de um espírito de comunidade numa freguesia que resultava da agregação administrativa de duas freguesias com grandes disparidades sociais e culturais e, pelas várias realizações (reactivas) e até propositivas conseguimos criar uma pegada na realidade que hoje é reconhecida por todos agentes autárquicos e administrativos da cidade de Lisboa.
Houve algum momento de viragem na vida do grupo?
Sim, a presença em canais de televisão sobre questões fracturantes (a segurança no Bairro Portugal Novo e o aumento dos preços do arrendamento) marcou um outro nível de impacto e reconhecimento da influência do grupo na comunidade.
Outro momento de viragem sucedeu aquando da nossa primeira presença numa reunião descentralizada da CML, em finais de 2016 onde levámos então já todos os assuntos pendentes de resposta desde começo desse ano.
O que mais vos tem surpreendido no decurso deste projeto?
A intensidade com que as pessoas se ligam a causas de natureza local. De facto, quanto mais próxima é causa (do coração ou do local onde vivem) maior é a intensidade com que participam neste colectivo. Sendo esta, aliás, a grande razão do sucesso e da eficácia do grupo: a criação e funcionamento de uma rede de cidadania local e de proximidade capaz de reagir, em tempo real, às situações e problemas que vão surgindo e que propõe soluções com competências e meios para os resolver.
Que desafios enfrentam?
A presença ou tentativa de entrada de trolls ou de elementos perturbadores que, sob pretextos diversos, tentam minar a capacidade de funcionamento do grupo e o bom entendimento e relacionamento entre os seus membros.
Se não houvesse limitações, de dinheiro, tempo ou outras, o que gostariam que acontecesse?
Que as autarquias fossem mais lestas e eficientes a responderem aos nossos pedidos… Que nunca houvesse uma resposta por fazer (por vezes um “mensagem recebida” chegaria) e, claro, uma capacidade para podermos funcionar de forma mais eficiente e ampla na resposta às propostas e reclamações que diariamente nos vão chegando.
Que recomendações dariam para pessoas que quisessem dar origem a um grupo semelhante numa outra cidade?
Depois do Areeiro ajudámos a criar vários grupos semelhantes noutras freguesias e actualmente temos um grupo em Odivelas que está a começar nos mesmos moldes, com as mesmas regras de participação (e logotipo). O crucial nestes grupos é manter uma raiz de participação não-partidária, de cidadania local e grande proximidade junto das pessoas, sendo capaz de dialogar, em bom registo, com todas as autarquias e organizações “técnicas” dentro das mesmas e até com todas as forças partidárias e com os seus representantes nas mesmas.
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