Humanizar a Justiça do Trabalho também é Serviço Público

A Justina é uma personagem criada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região de São Paulo (TRT-2) que ganhou vida nas páginas do Facebook. As suas dúvidas sobre direitos dos trabalhadores foram a base de uma nova forma de comunicação com o cidadão: mais direcionada, numa linguagem mais acessível e com uma boa dose de informalidade e boa disposição.

 

A Justina ao longo do seu tempo de vida

A página do Facebook da Justina acompanhou a história desta personagem ao longo das várias fases da sua vida desde o momento em que começou a sua vida de trabalho como estagiária

 

A Justina

“A Justina foi uma personagem que o TRT de São Paulo criou para se aproximar das pessoas comuns”, diz Aline Castro (na foto), Diretora de Comunicação do TRT-2 e responsável por este projeto.

No final de 2015, o TRT de São Paulo tinha uma boa presença nas redes sociais, mas a sua comunicação chegava apenas a um público especializado ou a cidadãos já com processos trabalhistas em tramitação.

“A gente queria falar com o cidadão comum, prestar um serviço para pessoas que não têm um contacto com a Justiça, cidadão comum, trabalhadores comuns. Aí surgiu a ideia de criar uma personagem, que fosse uma mulher comum, uma trabalhadora que pega ónibus, tem problema com o chefe, tem que cuidar da casa, tem jornada dupla, tripla…” A Justina nasceu em janeiro 2016: personagem central de uma narrativa que a equipa de Comunicação do TRT-2 usou para, de uma forma descontraída, oferecer informações sobre Direito do Trabalho e dicas ligadas ao universo do trabalho.

 

Aline Castro junto do banner da Justina

Aline Castro no escritório da Secretaria junto do banner da Justina

 

“O storytelling ficcional que quisemos usar foi fundamental porque por meio de uma história, por meio da emoção que uma boa história pode gerar, a gente consegue gerar aprendizado, a gente consegue ensinar as pessoas de uma maneira mais lúdica, mais criativa, mais divertida, e esse foi, desde o começo, o objetivo fundamental do projeto”, diz Aline. Era importante “fazer com que o Direito do Trabalho não fosse algo chato e maçante para as pessoas” de forma a conseguir “fisgar a sua atenção” e conseguir manter o seu interesse em acompanhar a história. “Que nem uma novela mesmo!”

Uma preocupação constante da equipa foi garantir que a página da Justina não se transformava em canal de consultoria: em primeiro lugar porque o papel do Tribunal não é oferecer aconselhamento para casos específicos, em segundo lugar porque, no Direito, não se pode desprezar a interpretação dos juízes e não podíamos correr o risco de as pessoas seguirem conselhos como coisa certa.

“A gente recebeu muito ‘Oi Justina, eu tenho um processo assim e assim” ou “Oi Justina, meu chefe quer que eu faça isso. O que é que eu faço?” A gente tentava ajudar o máximo mas a gente não podia dizer ‘é isso e isso aqui’. O que a gente dizia é ‘A lei é essa, essa e aquela, vou fazer um post sobre isso, ou tenho um post sobre isso, veja lá como é que eu me saí’.”

“A reação das pessoas à Justina foi maravilhosa! A gente recebeu um carinho muito grande das pessoas. Finalizámos o projeto com 20 mil curtidas na página, praticamente tudo conseguido de forma orgânica. Mas o que consideramos o maior legado, a nossa maior conquista, foi o carinho que fomos recebendo dos cidadãos. As pessoas elogiavam, mandavam um beijo para a Justina, torciam por ela. Esse carinho foi bem legal!”

 

As redes sociais

A Justina viveu apenas na sua página do Facebook. De acordo com Aline Castro, a Justina foi pensada para o Facebook pelo grande apelo social dessa rede. O objetivo era “falar de forma mais massiva possível”, chegando a pessoas de diferentes classes e profissões.

Se hoje fossem começar o projeto, teriam de pensar muito mais esta decisão. “O algoritmo está realmente muito difícil de ser driblado e, como a gente tem essa dificuldade de não ter patrocínio, de não poder patrocinar posts, fica realmente um pouco inviável trabalhar com o Facebook”.

A beleza das redes sociais reside, também, na fácil interação que proporciona. Em abril de 2016, não muito tempo depois do arranque do projeto, houve um post que marcou e ensinou muito à equipa.

A Justina era estagiária, ficou de ressaca depois de uma noite de convívio, e, de manhã, não acordou a horas de ir para o trabalho. No Facebook, falou da tentação de ir comprar um atestado médico. “Aí, os seguidores começaram a dizer à Justina para não fazer isso para não ser demitida. Isso marcou-nos muito porque a gente percebeu que era legal que a Justina não fosse politicamente correta – a gente não queria que ela fosse chata, queríamos que ela fosse humana.”

Entre os muitos comentários a este post, estão os do TRT e do Ministério Público, que aproveitaram a boleia para desempenhar o seu papel (in)formativo. “A gente conseguiu prestar o serviço: ensinar as pessoas de uma forma, fazendo com que a Justina tivesse um pensamento não correto.”

 

Post da Justina no Facebook

Um dos posts da Justina que mais marcaram a equipa e que mais influenciaram a linha editorial seguida, e a resposta do Ministério Público, numa ação coordenada para chegar aos cidadãos

 

O projeto

O projeto Justina foi pensado para terminar no final de 2016. A ideia era não cansar os leitores – a equipa “não queria que fosse uma novela mexicana sem fim”; mas, também, dosear o esforço da equipa que teve de abraçar este projeto em simultâneo com todos os outros canais de comunicação do TRT-2. “Pode imaginar o trabalho que isto dava.”

“Ela foi totalmente produzida por servidores aqui da Secretaria de Comunicação”, diz Aline Castro com orgulho. Tiveram a sorte de ter na equipa um profissional com experiência de software 3D, e a ele coube a tarefa de criar todas as imagens e vídeos da personagem. A história foi pensada e escrita a várias mãos pelos colegas da equipa, sendo que alguns posts eram revistos pelos juízes do TRT antes da sua publicação.

Os posts eram lançados ao ritmo de um plano elaborado pela equipa com base nas dúvidas mais frequentes em processos trabalhistas. “Teve uma juíza que foi bem parceira nossa no projeto e ela também deu algumas dicas – ‘vocês deviam falar mais sobre empregada doméstica porque eu vejo aqui que as pessoas têm muita dúvida'”.

Também houve espaço para injetar na narrativa respostas a dúvidas que as pessoas iam enviando por email ou deixando na página do Facebook da Justina.

Como o projeto foi, todo ele, executado pela equipa de Comunicação do TRT-2, “a Justina não teve nenhum custo direto para a Administração.”

A equipa não definiu métricas para o projeto e não tinha mecanismos específicos para análise de dados. A equipa ia acompanhando de perto a forma como as pessoas reagiam a cada post e fazendo a sua avaliação subjetiva. “A gente avaliava cada post para tentarmos perceber as linhas editoriais que alcançavam os melhores resultados.”

Inicialmente, a ideia da Justina foi apresentada à Presidente do TRT que, de imediato, gostou. “Fez alguns alertas, nomeadamente a questão da consultoria, mas simpatizou com a ideia e deu autonomia para a equipa desenvolver.”

Mas nem todos os colegas do TRT tiveram a mesma reação. “No início, houve algumas pessoas na organização que mandaram algumas piadinhas e mostraram dúvidas sobre o benefício de criar uma personagem. Mas quando o projeto começou a render resultado, todo o mundo elogiou.” Os prémios e o nível de reconhecimento que a Justina começou a receber terão certamente contribuído para esta mudança de atitude.

A Justina foi criada do zero. Não houve outros projetos que a equipa tivesse podido usar como referência. “A gente abriu esse caminho, trilhou um caminho que a gente não sabia se ia dar certo. No início as pessoas não botavam muita fé no projeto mas a gente acreditou”, e acima de tudo não teve medo de errar.

Outro fator de sucesso foi a paixão que moveu a equipa. “Fizemos ela com muito amor. Na raça, mesmo.” A equipa acreditava no projeto e na forma como oferecia uma nova forma de chegar a mais pessoas e de as sensibilizar para as questões relacionadas com o Direito do Trabalho.

Se tivesse de dar um conselho a outras organizações, Aline Castro diria para pensarem em projetos em que as equipas se possam envolver de corpo e alma. “Quando a gente deposita amor e afeto no que a gente faz, dá certo! A gente supera os obstáculos. Tivemos de acumular muito trabalho, mas ainda assim a gente tinha brilho no olho quando falava na Justina.”

 

Presente e futuro da Justina

Capa do livro "Trabalhos de Justina"

Capa do livro “Trabalhos de Justina” produzido pela equipa do TRT

Desde que o projeto terminou em dezembro de 2016, a equipa continua a responder às mensagens que as pessoas enviam e vai escrevendo alguns posts para manter a página viva. Contudo, a Justina deixou de ter uma história. O objetivo é manter a página ativa até por ser um lugar de consulta quando as pessoas têm alguma dúvida.

Em dezembro de 2017 a equipa lançou o livro digital “Trabalhos de Justina“, um desdobramento do projeto inicial. Trata-se de um livro de ficção, escrito por um membro da equipa de Comunicação do TRT-2, e onde se passa informação sobre o Direito do Trabalho.

Antes disso, em maio de 2017, a equipa lançou a página Trabalhamos que tem como objetivo mostrar que o trabalho é sustento mas também pode ser fator gerador de muita satisfação. “O Trabalhamos está no ar e a ideia é que seja um canal permanente para a gente manter esse elo da população com o Tribunal mas sem a história da Justina. A Justina virou uma colunista desse canal. Não sei se vamos manter a coluna dela por muito mais tempo, mas, por enquanto, a coluna está ativa. Essa coluna é escrita com base em tudo o que a Justina aprendeu ao longo da vida dela, sempre dando algum conselho e falando dos aprendizados dela.”

A Justina pode vir a ter uma segunda temporada mas ainda não há certezas.

Publicado por:

   Ana Neves
Sócia e Diretora Geral da Knowman, empresa de consultoria nas áreas de gestão de conhecimento, comunidades de prática, ferramentas sociais e participação cívica digital. É uma das organizadoras do evento Cidadania 2.0 e a pessoa responsável pela plataforma Cidadania 2.0.

1 Comentário

  1. Avatar
    Nicole Melhado -  28 de Janeiro de 2018 - 23:02

    O projeto do TRT de São Paulo é um exemplo de criatividade e inovação no serviço público, tornando mais próximo das pessoas.

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