Plataformas para combater a abstenção e promover o voto informado

As eleições legislativas estão à porta e já se antecipam os lamentos inúteis sobre a elevada taxa de abstenção. Porque é que digo inúteis? Porque não vale a pena chorar sobre leite derramado: há que trabalhar continuamente para que o leite não derrame.

Atribui-se a abstenção ao distanciamento dos cidadãos da política. Vejo esse distanciamento como resultado da falta de resposta a três perguntas:

  • Como posso votar?
  • Em quem é que eu vou votar?
  • Para que é que eu hei-de votar?

 

Não se combate a abstenção nas 2 semanas de campanha eleitoral. A abstenção combate-se nos 4 anos de legislatura.

 

A pergunta sobre como se pode votar é especialmente pertinente no caso dos cidadãos que vivem no estrangeiro ou que se encontram em viagem na altura das eleições, por exemplo. As condições de voto para estas pessoas estão, sem dúvida, a melhorar. Só tenho ouvido elogios ao processo do voto antecipado que teve lugar no passado dia 29 de setembro. Contudo, será que há informação suficiente, e suficientemente esclarecedora, para que as pessoas saibam o que fazer e como fazer? E será que têm a motivação necessária para vencer a inércia e ir em busca dessa informação?

E isso, leva-me aos dois pontos seguintes, provavelmente bem mais complexos.

#MeRepresenta - Lista de candidatos

O site #MeRepresenta identifica os candidatos mais alinhados com as nossas opiniões pessoais no que se refere a temas de Direitos Humanos. Fica também a referência para a app portuguesa meuParlamento.pt

Se falar com os seus familiares e amigos, a probabilidade é que muitos deles não saibam ainda em que partido vão votar nas eleições legislativas de dia 6 de outubro (daqui a 3 dias). E mesmo que saibam, muito provavelmente não sabem quem são as pessoas que fazem parte das listas eleitorais propostas por esse partido.

Para mim, enquanto cidadã, o período de eleições (já para não falar na política em geral) transformou-se num palco de vedetas. Partidos, comunicação social e o próprio Estado, alimentam a personificação dos partidos nos seus líderes, deixando nas sombras os restantes candidatos que compõem as listas de candidatura. Ora, convém não esquecer que, no caso dos partidos que elegem mais do que um deputado, os outros candidatos irão ocupar uma cadeira parlamentar tão grande como a dos líderes.

É assim escandaloso que se dê tão pouca importância às listas completas de candidatos, e que se saiba tão pouco sobre as 427 pessoas que encabeçam as listas nos 22 círculos eleitorais.

Mas a pergunta “em quem é que eu vou votar?” é mais do que o saber quem são os candidatos: é saber quais são as suas propostas para que se possa perceber as que mais se alinham com a nossa forma de pensar e de ver o futuro do nosso país.

E mais uma vez fico chocada com a pouca visibilidade que se dá às propostas eleitorais e com a forma como são elaboradas e defendidas.

Política Para Todos

O Política Para Todos, criado por um grupo independente de cidadãos voluntários, disponibiliza informação sobre o processo eleitoral e sobre todas as candidaturas

Esta, aliás, foi a principal razão pela qual decidi integrar o grupo independente de cidadãos voluntários que tem estado a construir o website Política Para Todos.

É um website em construção, que se quer ir melhorando em futuras eleições. Para já, e para estas legislativas, o site apresenta informação agregada sobre os candidatos, cabeças de lista e programas eleitorais de todos os 21 partidos que concorrem a estas legislativas.

Mas voltando à questão da abstenção. Para além da falta de informação, sinto que há um problema grave de tom, de linguagem e de plataformas que contribui para afastar os cidadãos da política ou, no mínimo, para não os mobilizar para uma participação mais ativa.

Há um problema de tom, porque o discurso eleitoral (e não só!) é um discurso agressivo, corrosivo, mais preocupado em deitar abaixo do que em construir.

Existe um problema de linguagem, porque o discurso oscila entre frases feitas, teóricas, técnicas e pomposas, afastadas do dia-a-dia dos cidadãos, e uma linguagem que menospreza a inteligência desses mesmos cidadãos (Sugestão: Descubra o site brasileiro Votenaweb.)

E, finalmente, há um problema de plataformas, especialmente no caso de plataformas para interação com os cidadãos mais jovens e com os cidadãos com maior literacia. Faltam canais digitais, independentes, e que tirem partido das ferramentas sociais para criar espaços de diálogo, esclarecimento e cocriação de propostas para o nosso país. (Sugestão: Conhece o projeto Brickstarter?)

Não, não falo de vídeos no Facebook, ou fotos giras no Instagram. Isso é despejar mensagens, não é dialogar. Faz falta o diálogo: o diálogo genuíno de quem tem vontade de ouvir para poder fazer melhor.

Quando falo de plataformas, falo de coisas como, por exemplo:

  • Consul, criado inicialmente pelo Ayuntamento de Madrid, disponibilizado em código aberto e usado também por organizações, cidades e nações em todo o mundo;
  • Decidim, criado pelo Ajuntament de Barcelona, também disponível em código aberto;
  • DemocracyOS, nascido na Argentina e na base do Partido de la Red, um partido cujos candidatos eleitos se comprometiam a votar em parlamento de acordo com a maioria dos votos recolhidos na plataforma.

E isto traz-nos à última pergunta cuja resposta incerta afasta muitas pessoas das urnas: para que é que eu hei-de votar?

Hemiciclo.pt - votação para projeto de lei

O website Hemiciclo mostra a posição dos vários deputados relativamente aos projetos de lei colocados a votação no parlamento português

Os cidadãos sentem que não são ouvidos e que não são devidamente representados; assistem diariamente a notícias sobre práticas ilícitas associadas a pessoas e instituições que os deveriam defender e representar. É natural que questionem um sistema que dê espaço para tudo isto. É natural que não queiram ter nada a ver com isto. É quase natural que não queiram ir votar.

E digo quase natural porque, na verdade, votar não é só um direito. Votar é também um dever. E se virmos as coisas desse prisma, dizer que não vamos votar porque “os políticos são maus”, faz de nós maus também, porque nos escusamos ao nosso dever.

Não se combate a abstenção nas 2 semanas de campanha eleitoral. A abstenção combate-se nos 4 anos de legislatura: com diálogo genuíno, transparência, vontade de construir em conjunto, propostas e posições que representem os cidadãos e, acima de tudo, com ações dignas.

Não sei a direção que o Política Para Todos vai tomar depois destas legislativas, mas gostava muito, muito, que evoluísse para se tornar a plataforma inicialmente pensada de diálogo e esclarecimento entre partidos e eleitores, e que viesse também a incluir mecanismos para que todos possamos ir acompanhando e avaliando o trabalho dos nossos representantes no parlamento.

 

Nota: Tive oportunidade de partilhar algumas destas ideias num interessante debate transmitido dia 29 de setembro 2019 na rádio Antena 1.

Publicado por:

   Ana Neves
Sócia e Diretora Geral da Knowman, empresa de consultoria nas áreas de gestão de conhecimento, comunidades de prática, ferramentas sociais e participação cívica digital. É uma das organizadoras do evento Cidadania 2.0 e a pessoa responsável pela plataforma Cidadania 2.0.

1 Comentário

  1. Avatar
    Ana Neves -  12 de Fevereiro de 2021 - 8:11

    Existe também a plataforma Rousseau que serve de “apoio” ao partido italiano Movimento 5 Estrelas.

    De acordo com a Wikipedia, “A plataforma Rousseau é a plataforma tecnológica que leva o nome do filósofo Jean-Jacques Rousseau criada por Casaleggio Associati e utilizada pelo Movimento 5 Estrelas para a implementação da democracia direta. O objetivo de Rousseau é a gestão centralizada das atividades do partido político para os membros, cidadãos e para os eleitos no Parlamento italiano e europeu e nos conselhos regionais e municipais.

    O sistema permite:
    – Participar na redação de leis nacionais, regionais e europeias propostas pelos representantes eleitos nas respectivas assembleias;
    – Votar para a formação de listas eleitorais ou para se pronunciar sobre um assunto específico;
    – Promover a arrecadação de fundos para eleições, eventos e a proteção legal dos associados;
    – Disponibilizar material de treinamento para associados e representantes eleitos;
    – Dar informações, organizar eventos locais (encontros) e distribuir folhetos.

    Do ponto de vista técnico, pode ser definido como um sistema de gerenciamento de conteúdo (CMS) proprietário. A natureza proprietária do software foi criticada por Richard Stallman, embora o movimento sempre tenha sido a favor do uso de software livre.

    Aqui está um screenshot da plataforma Rousseau capturado a 8 fevereiro 2021.

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