O Poder do Diálogo e do Debate Público da Política
Os períodos de campanha eleitoral trazem à tona o pior do coletivo social. Saem as garras, esquecem-se o comportamento ético e a boa educação, sacrificam-se amizades e relações familiares. De lado fica o diálogo, a arte de expor opiniões e, acima de tudo, de escutar e procurar entender as opiniões de outras pessoas por mais divergentes que sejam. Vejam-se as recentes eleições presidenciais no Brasil ou as de 2016 nos Estados Unidos.
Contudo, as eleições dão também origem a iniciativas que evidenciam o espírito de luta, a criatividade, o compromisso cívico, e o poder do coletivo cidadão.
Um desses casos, é o movimento #ViraVoto criado recentemente no Brasil no contexto das eleições presidenciais. Foi criado depois da 1ª volta por cidadãos que se opunham ao entretanto eleito presidente Jair Bolsonaro. O movimento incluiu várias iniciativas e avançou forte com o óbvio apoio do PT, partido do outro candidato à 2ª volta, Fernando Haddad. Contou também com o apoio de muitas personalidades públicas que deram a cara em defesa do que consideravam ser a única opção pro-democracia.
O #ViraVoto começou com a criação de uma conta no Instagram para reunir testemunhos de eleitores que, depois de votarem Bolsonaro na 1ª volta, mudavam de ideias e se decidiam a votar Haddad na 2ª.

Uma das imagens partilhadas na conta do Instagram ViraVoto e que dá conta de uma eleitora que mudou de ideias quanto ao seu voto. Esta imagem, tal como todas as outras partilhas, tem um elevadíssimo número de “likes” e comentários.
O movimento evoluiu depois para uma conta de Facebook que pretendia dar ainda mais visibilidade a estas histórias de viragem e para um conjunto de grupos no WhatsApp.

O website do #ViraVoto dá acesso a algumas salas de WhatsApp de acordo com o estado de (in)decisão da pessoa
Toda esta atividade nas redes sociais serviu para motivar e dar visibilidade a outras iniciativas. Foi o caso de um “baralho de cartas” que uma cidadã criou para convidar as pessoas a refletir e a tomar conhecimento das políticas propostas pelos dois candidatos (algo semelhante a iniciativas como #MeRepresenta, Escape Your Bubble, e várias outras que entretanto foram desaparecendo).
Também foi o caso de uma ação coletiva onde os eleitores que se opunham a Bolsonaro se dirigiram às urnas com um livro.

Na conta do #ViraVoto no Instagram o comentário de um cidadão brasileiro sobre a iniciativa de levar livros para o momento de voto
Para além destas ações online, o movimento #ViraVoto também saiu para as ruas com o objetivo de criar espaços de diálogo com eleitores indecisos. Em várias ruas brasileiras, criaram-se banquinhas que, por vezes com a presença de figuras públicas de renome, e com um cafézinho e um bolo, convidavam os transeuntes a parar e dialogar.

Uma das banquinhas do movimento #ViraVoto na rua em que dois atores conhecidos trocam uma conversa sobre política por uma fatia de bolo (foto no Instagram)
Independentemente do candidato que apoiava, o interessante neste movimento foi a forma como combinou o online e offline e como promoveu o debate político nas ruas do Brasil.

Um outro post na conta #ViraVoto no Instagram que mostra como um grupo de cidadãos aproveitou um “baralho de cartas” disponibilizado por uma outra cidadã para ir promover o diálogo presencial em torno da política dos dois candidatos
Talvez o que se tenha passado naqueles espaços não tenha sido um verdadeiro diálogo (quantos dos que cederam o seu tempo para conversar com os indecisos estariam abertos, eles próprios, aos argumentos e opiniões de quem passava?). Ainda assim, é um exemplo de como é importante trazer a política para a rua e debater política olhos nos olhos.
Com um objetivo semelhante, por exemplo, a empresa por trás do Vote Na Web lançou há uns anos atrás a app “Política de Boteco”. O propósito é levar aos bares do Brasil as discussões dos projetos de lei mais controversos do Congresso Nacional.

“Política de Boteco” é uma app desenvolvida em parceria pelas empresas Webcitizen e Enox On-Life e integra o projeto Vote Na Web.
Para terminar deixo um link para um episódio do podcast “The Daily” em que, perto do final, se houve um telefonema entre uma eleitora americana e o seu pai. Ela, que sempre votou pelo Partido Republicano por causa da sua fé, prepara-se agora para votar Democratas nas intercalares; ele, permanece um convicto Republicano. Esta entrevista mostra uma pessoa que só aceita ouvir a opinião contraditória de outra porque é sua filha, mas que, ainda assim, combate teimosamente todos os seus argumentos, sem capacidade ou vontade de mudar a sua posição.
Espero sinceramente que, pelo menos nas disciplinas de Cidadania que se vêem no curriculum escolar de muitas escolas, se ensine o poder e arte do diálogo, olhos nos olhos, de ouvidos, cabeça e coração abertos.
Deixe o seu comentário