Para que a política seja mesmo para todos
O Política Para Todos é um grupo independente de cidadãos voluntários que está a construir uma plataforma para aproximar os cidadãos da informação de que necessitam para poderem exercer o seu direito democrático de voto.
A plataforma Política Para Todos vai ser lançada nos próximos dias. Será lançada numa versão ainda beta, sem alguma da funcionalidade pretendida, mas já com muita informação relevante para as eleições legislativas de Portugal (6 outubro): a ideia é poder disponibilizar, o quanto antes, a informação já recolhida, e, se possível, envolver os partidos na recolha de material e na interação com os cidadãos na própria plataforma. Sim, porque ao contrário do que seria de esperar, esta informação não é fácil de obter (ver história aqui, aqui e aqui).
A ideia para esta plataforma nasceu em agosto de 2019, na sequência do trabalho que Nuno Carneiro e Pedro Coelho tinham feito para as eleições europeias deste mesmo ano. À boleia da ideia, o grupo nasceu; e à boleia das histórias partilhadas online, o grupo foi crescendo.
O grupo é aberto a todos os que se identifiquem com o seu manifesto, um manifesto que defende uma cidadania mais informada, um sistema governativo transparente, e o escrutínio político.
Segue-se uma breve entrevista que fala do Política Para Todos – do grupo e da plataforma.
Porque sentiram a necessidade de avançar com este projeto para as eleições legislativas nacionais?
A motivação vem da sensação de que o afastamento entre cidadãos e a política é um problema grave em Portugal.
Acreditamos que uma democracia forte é um pilar fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, mas que uma democracia forte dá trabalho: os cidadãos têm de fazer o trabalho de casa para se manterem informados e interessados pelo trabalho dos deputados que elegeram. Por fim, acreditamos que as decisões são tão melhores quantas mais vozes forem ouvidas.
Poder-se-ia pensar que este tipo de responsabilidade recai sobre as próprias entidades públicas e governativas. O que pensam sobre isto?
Parte do nosso trabalho que passa, neste momento, por recolher informação sobre as candidaturas às eleições legislativas, podia de facto ter sido feito por uma entidade pública. Aliás, foi por aqui que começámos porque é algo que já deveria ter sido disponibilizado. Por outro lado, aquilo que são as nossas aspirações enquanto grupo centram-se em promover a participação ativa e informada dos cidadãos no processo político – isto só pode ser feito por cidadãos.
É a sociedade civil que tem de contribuir neste tipo de projectos, tal como é a sociedade civil que tem de contribuir juntando-se a um partido para intervir mais diretamente para o processo político. Há claramente interesse de muitas pessoas em estarem mais envolvidas. Temos de criar juntos as oportunidades para isso, não podemos ficar à espera que nos venham “chamar”.
Neste momento, e com as eleições legislativas à porta, o grupo está a desenvolver uma plataforma com o objetivo de informar os cidadãos sobre o próprio processo eleitoral e as propostas dos partidos. Mas já existem outros websites com este fim. O que irá distinguir a plataforma que estão a criar?
Sim, a nossa página irá incluir informação sobre todos os partidos, candidatos, programas eleitorais, etc. Uma distinção muito importante começa logo na forma como a página é construída. A nossa forma de trabalhar, transparente e inclusiva, garante que o resultado do trabalho é verdadeiramente independente e que os nossos bias (tendências ou inclinações) pessoais são esbatidos entre todos.
Para além disso, vamos também ter funcionalidades inovadoras como a possibilidade de anotar e comentar os programas eleitorais, pedindo esclarecimentos a partidos.
A ideia de ter no site a possibilidade de “comentar os programas eleitorais e fazer perguntas para obter clarificação” é bastante interessante. Existe, porém, o risco de comentários impróprios, de debate pouco construtivo, e de falta de participação dos próprios partidos no sentido de prestar esclarecimentos. Como pensam lidar com isso?
Sim, é sempre um risco mas temos esperança que os comentários interessantes sejam em maior número. É essa a intenção de plataformas inovadoras como esta e cremos que a comunidade irá ter uma participação positiva. Vamos ainda definir uma política de moderação.
Totalmente em linha com o vosso manifesto, pretendem disponibilizar em open source a plataforma que estão a desenvolver. O objetivo, dizem, é que possa ser usada por outros, eventualmente noutros países. Uma forma de inspirar e impulsionar outras iniciativas semelhantes…
Sim, exactamente, vamos tornar a plataforma num projecto open source para que possa ser usada em eleições de outros países ou mesmo em Portugal numa outra ocasião.
E no que diz respeito a conteúdo: onde estão a ir buscar a informação e os dados de que precisam? Como tem sido esse processo de recolha?
Neste momento temos tentado recolher a informação das diferentes páginas dos partidos. Temos a sorte de ter uma incrível equipa de voluntários a fazer este trabalho. Já pedimos também a informação a todos os partidos e já recebemos respostas de alguns. A recolha tem sido difícil, mas o objectivo de oferecer aos cidadãos a oportunidade de sentirem o seu voto útil e informado acaba por nos motivar para fazermos esta recolha manual nos tempos livres.
Estão a planear disponibilizar ou analisar os dados gerados pela vossa própria plataforma?
Sim, planeamos abrir o acesso a todos os dados ao público. É algo que até já começámos a fazer. Temos uma base de dados de programas eleitorais no GitHub. Ainda esta semana um jornalista me disse que ia usar esses dados para fazer uma análise para um artigo e temos também um partido interessado em usar esses dados.
Existe algum plano editorial associado à plataforma?
Neste momento não temos um plano editorial definido. Mas temos criado conteúdo para partilhar nas redes sociais que seja alinhado com os nossos valores: informação sobre as eleições e detalhes sobre o nosso trabalho. Temos tido muito boa receção.
Quais as principais dificuldades que estão a enfrentar?
Uma das principais dificuldades é a falta de uma lista oficial online com os nomes de todos os candidatos.
Esta responsabilidade recaía antes sobre a Comissão Nacional de Eleições (CNE), mas uma mudança na lei eleitoral em 2018 atribuiu essa responsabilidade à Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (SG MAI), que no seu entendimento da lei considera que não tem de publicar a lista. Já tivemos de estudar muito a lei eleitoral e conhecer as diferentes entidades envolvidas, mas ainda não temos uma conclusão. Parece-nos que se querem abster dessa responsabilidade. É trabalhoso, mas nós vamos atrás e continuamos à procura. Faz parte de toda a ideia dos cidadãos se envolverem no processo político – começa com nós próprios dentro da equipa do Política Para Todos.
Como têm sido as reações ao vosso projeto?
Temos recebido imensas mensagens de incentivo. Da parte dos partidos, a recepção tem sido variada. Alguns têm sido muito responsivos e também nos enviam mensagens de incentivo. Outros são um pouco mais cautelosos e ainda estão a investigar quem somos. Depois há aqueles partidos que nem respondem…
Quem são as pessoas que compõem o grupo?
O número de membros do grupo tem crescido todos os dias! Temos neste momento 65 pessoas inscritas no nosso espaço de comunicação “interna”! Destes, diria que cerca de 20 têm contribuído diariamente para o projecto. Somos cidadãos que têm a sua actividade profissional normal fora do voluntariado: designers, empresários, engenheiros de software, etc. e que querem contribuir para uma sociedade mais informada.
Coordenar o trabalho de um grupo de voluntários, especialmente com perfis tão distintos, é um desafio. Como é que se organizam e colaboram?
Sim, é um desafio grande mas é algo que eu adoro. Adoro trabalhar com um grupo diverso e com excelentes profissionais como são os membros do nosso grupo. Tivemos a sorte de ter muito boas sugestões sobre a forma de organizar o nosso trabalho desde a nossa primeira reunião onde definimos os princípios básicos de transparência, diversidade e abertura a novos participantes.
Depois criamos o nosso manifesto, 9 pontos que definem aquilo em que acreditamos e como queremos trabalhar, foi o resultado de uma discussão que se desenvolveu entre todos os membros (à altura). Temos muito a ganhar quando partilhamos mais e ouvimos mais. Desde que haja boa facilitação do processo de decisão para que não fiquemos empatados, é uma forma de trabalho que traz grandes vantagens e que nós queremos também trazer para a vida política.
E depois das eleições legislativas, o que vai acontecer ao Política Para Todos?
Ainda não temos um plano! Temos estado tão ocupados que preferimos deixar essa discussão para mais tarde. Temos algumas ideias mas preferimos discuti-las depois das eleições. Mas tenho a certeza que iremos continuar a missão de promover a participação activa dos cidadãos nos processos eleitorais em Portugal. Há muito para fazer e muitos interessados em participar.
As perguntas desta entrevista foram enviadas por email ao Nuno Carneiro. Foram entretanto respondidas por escrito e partilhadas com o resto do grupo no sentido de pedir os seus comentários. O processo de resposta a esta entrevista foi, ele próprio, exemplo do ambiente de total transparência, respeito e abertura que caracteriza o grupo.
Devo acrescentar, também, que logo depois de enviar as perguntas ao Nuno, me decidi juntar ao grupo, contribuindo com este projeto como posso. Nesta minha interação com o grupo, tem-me sido possível observar e admirar o profissionalismo dos membros, a vontade genuína de contribuir, e o esforço coletivo para manter inclinações partidárias e ideológicas fora de todas as decisões tomadas.
Aliás, um dos grandes propósitos, como frisava esta tarde a Inês Rosete numa das “conversas” do grupo, o Política Para Todos pretende criar uma plataforma que não padeça dos mesmos males que costumam caracterizar websites de comparação de programas eleitorais:
- partidos pequenos não aparecem;
- a comparação é feita com base na interpretação do(s) jornalista(s) que faz os bullets por área;
- a ordem dos partidos está a criar bias.
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