Provocar a mudança pelo exemplo: uma entrevista à VOST Portugal

Foto de Isabel Silva, voluntária da VOST Portugal. “Para nós, esta foto representa o voluntário VOSTPT. É um dos nossos fundadores, João Pina, (aka tomahock) numa zona ardida perto do Guincho.”
A Virtual Operations Support Group (VOSG) é uma comunidade global que nasceu em 2012 nos Estados Unidos. Funciona como uma organização sem fins lucrativos que recorre a Virtual Operations Support Teams (VOSTs) para promover e apoiar a utilização de ferramentas sociais na gestão de recursos em situações de crise. Essas equipas VOST estão organizadas em centros regionais: VOST Americas, VOST Europe and VOST Oceania.
Desde novembro de 2018 que o VOST Europe conta com uma VOST portuguesa, o grupo que deu vida a uma das mais referidas fontes de informação durante a greve de motoristas de transporte de matérias perigosas e de mercadorias de agosto de 2019. A VOSTPT encontra-se em processo de legalização enquanto associação com o objectivo de ser reconhecida como uma Organização de Voluntariado de Protecção Civil, mas parece pulsar forte com o dinamismo dos seus voluntários.
Quis saber mais sobre a VOST Portugal e enviei-lhes algumas questões, por escrito. Abaixo pode encontrar as respostas que prontamente partilharam comigo. Perguntei-lhes o nome de quem respondeu. Do lado de lá, veio um “Respondemos em equipa”.
Porque sentiram necessidade de criar uma VOST em Portugal?
A cidadania ativa é uma necessidade. Em vez assinalar o que pode ser melhorado, porque não contribuir ativamente para essa melhoria, apresentando soluções adequadas, em tempo real e inovadoras?
Como é a relação entre a VOSG e a VOST Portugal?
Todas as VOST têm um relacionamento de partilha e de entreajuda. A VOST Portugal depende directamente da VOST Europe, cujo coordenador é francês. As relações entre as VOST espalhadas pelo mundo são muito estreitas e baseiam-se na partilha de conhecimento e melhores práticas. A VOST Portugal tem uma relação também operacional com a VOST Espanha e as equipas VOST regionais espanholas.
Existe VOST no Brasil ou noutros países de língua portuguesa?
Ainda não existe uma VOST Brasil, mas integramos na nossa equipa alguns voluntários brasileiros, quer residentes em Portugal quer no Brasil. A nossa entreajuda ultrapassa barreiras linguísticas, pois a nossa missão e valores são os mesmos.
A VOST Portugal conta à data de hoje com 115 voluntários. Qual o seu perfil?
Os Voluntários VOSTPT têm, maioritariamente, entre 20 a 30 anos. São desde estudantes a carteiros; têm as mais variadas formações académicas e profissionais. São, sobretudo membros ativos da sociedade que dão o seu tempo em prol de uma melhor e mais eficaz informação das populações.
O nosso lema é “Trabalhar para a invisibilidade, sempre com transparência” porque o que interessa mesmo é a transparência de processos, dados, e informação dada.
Estamos sempre disponíveis para novos voluntários que queiram ajudar: basta que nos contactem.
“Trabalhar para a invisibilidade, sempre com transparência”
O que move os voluntários da VOST Portugal?
A certeza de que estão efetivamente a ajudar os outros.
Como é que se organizam e colaboram?
Usamos o Discord para nos organizarmos. Nessa plataforma, os voluntários estão organizados em diferentes canais de acordo com as suas competências e backgrounds. Todos contribuem com as diferentes perspetivas, e todas as opiniões são valorizadas. Existem objetivos devidamente delineados e regras de conduta que são observados e aceites por todos.
O empenho e o altruísmo de cada um dos voluntários torna toda a gestão muito simples.
“A VOST não é centrada numa pessoa, mas sim no valor colectivo do conhecimento e experiência acumulada de todas estas pessoas que dão (muito) do seu tempo.”
O que caracteriza os projetos da VOST Portugal?
São projetos realizados em open source (código aberto), disponibilizados a todos os que queiram utilizar, com uma política de dados abertos, e partilha de conhecimento.

Já Não Dá Para Abastecer, um dos projetos da VOST Portugal
O “Já Não Dá Para Abastecer” tem merecido imensa atenção até por parte dos meios de comunicação social. Quanto tempo demorou a desenvolvê-lo?
O JNDPA, nesta segunda versão, demorou três semanas a desenvolver, apesar de ter sido começado a ser pensado logo após a primeira greve.
Foi desenvolvido na sua quase totalidade pelo Miguel Santos, um estudante universitário de Coimbra e voluntário da Cruz Vermelha Portuguesa, que abraçou este projeto e fez um trabalho fantástico.
No espaço de uma semana, o JNDPA já conta com mais de 12 mil submissões de utilizadores, cinco marcas que usam a nossa API para atualizar os dados, quase 500 mil utilizadores únicos, e mais de 35 milhões de consultas de dados.
Que outros projetos já nasceram pelas mãos da VOST Portugal?
O primeiro projeto surgiu aquando dos incêndios de Monchique em agosto de 2018. Nessa altura, três voluntários coordenaram-se com a finalidade de bem informar as populações num período em que a informação era muito escassa e pouco disseminada.
Para além disso, apostamos em iniciativas maioritariamente dedicadas à informação da população, em tempo de emergência, com uma dinâmica muito rápida, urgente e colaborativa com entidades oficiais.
Em tempo de paz, com um objetivo maioritariamente pedagógico e de prevenção.
Estamos também a desenvolver uma aplicação para dispositivos móveis que vai reunir, numa só aplicação, informações úteis à população, avisos meteorológicos, alertas da ProCiv, e informação que congregamos e validamos.
E as outras VOST? Que tipo de projetos têm feito?
Na família VOST, a VOSTPT é a mais tecnológica.
Em Espanha, por exemplo, são mais dedicados à comunicação, sendo que a VOST Espanha dá cursos de formação em comunicação de emergência (hashtag #SMEM) às forças de segurança e de proteção civil. As equipas VOST complementam-se, aprendem umas com as outras, e trocam informação de modo a que todas cresçam.
Algumas pessoas dirão que o tipo de trabalho que realizam é da responsabilidade das entidades públicas. O que pensam sobre isto?
Consideramos a cidadania ativa um dever de todos. Focamos a nossa intervenção não na crítica vazia e destrutiva, mas na apresentação de soluções viáveis e adequadas. É mostrando, dando o exemplo, que provocamos a mudança.
É mostrando, dando o exemplo, que provocamos a mudança.
Quais os desafios que sentem?
Há um desafio fundamental de constante manutenção de conduta isenta, com enfoque no simples “ajudar o próximo”. Parece, à primeira vista, ser o mais fácil, mas com o manancial de informação manipulada e propositadamente errada a que somos sujeitos, torna-se uma tarefa de constante análise e seleção. Exige maturidade e capacidade de reflexão e é deveras desafiante.
E quais as oportunidades e vantagens que existem para um grupo de voluntários como a VOST?
As vantagens? Temos uma: (é mesmo UMA!) bot que nos serve café e nos faz rir.
Fiquei curiosa. Querem explicar melhor?
A nossa BOT está na plataforma Discord. Chama-se VOSTia. Intervém sempre que mencionamos certas palavras e serve-nos café sempre que pedimos. Começou por ser uma brincadeira e agora faz parte da nossa equipa.
Uma última questão. Têm algum projeto pensado? Algum projeto de sonho que gostariam de desenvolver?
O nosso maior sonho é não sermos necessários.
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