A Transparência Municipal e a Cidadania 2.0

No passado dia 30 de Outubro foi lançado o Índice de Transparência Municipal (ITM) 2013. Trata-se de um índice produzido pela Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) com o apoio do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, da Universidade do Minho, da Universidade de Aveiro e do Instituto Superior Técnico.

Como diz no site deste projeto:

O Índice de Transparência Municipal (ITM) mede o grau de transparência das Câmaras Municipais através de uma análise da informação disponibilizada aos cidadãos nos seus web sites. O ITM é composto por 76 indicadores agrupados em sete dimensões: 1) Informação sobre a Organização, Composição Social e Funcionamento do Município; 2) Planos e Relatórios; 3) Impostos, Taxas, Tarifas, Preços e Regulamentos; 4) Relação com a Sociedade; 5) Contratação Pública; 6) Transparência Económico-Financeira; 7) Transparência na área do Urbanismo.

Já tive oportunidade de, num outro espaço, partilhar alguns pontos sobre o índice e destacar algumas ideias que sobressaíram durante a sessão de lançamento.

Hoje gostaria de aproveitar este espaço do Cidadania 2.0 para olhar o índice sob o ponto de vista da relação que tem com a participação cidadã mediada por redes e ferramentas sociais.

Em primeiro lugar gostaria de dizer que a participação dos cidadãos para ser levada a sério e ter impacto positivo tem de partir de uma posição informada. Isto é, os cidadãos só podem (ou devem) manifestar a sua opinião sobre assuntos dos quais detêm dados. Alguns dados estão na posse das autarquias.

Berta Nunes, presidente da Autarquia de Alfândega da Fé disse na sessão de lançamento do Índice:

“Ter munícipes informados é bom para o desenvolvimento do concelho”

Não poderia concordar mais com esta afirmação, podendo ela ser estendida ao país, à Europa, etc..

Em segundo lugar, gostaria de frisar que a disponibilização dos dados, por si só, de pouco serve se estes não forem analisados, debatidos e usados de forma transparente. Os dados podem ser enganadores quando apresentados fora de contexto pelo que a análise e o debate é fundamental para os interpretar e utilizar.

Com base nisto permitam-me dizer que acho fantástica esta iniciativa de criar um Índice de Transparência Municipal.

É fantástica porque, se bem gerido, comunicado e usado, pode:

  • identificar bons exemplos de autarquias que se possam servir como referência
  • apontar caminhos e áreas de intervenção prioritárias para as autarquias
  • constituir uma motivação para a melhoria contínua, introduzindo um elemento de competição.

Estes possíveis resultados estão todos eles extremamente alinhados com a minha área de atividade, a gestão de conhecimento, e também por isso me são particularmente queridos.

Mas esta edição do índice foi a primeira. E isso significa que também ela deve ser vista como um ponto de partida. E o Índice pode evoluir, aprendendo com os seus próprios erros e bebendo da experiência de outros índices noutros países.

Gráfico do Índice de Transparência Municipal 2013

Um gráfico que compara três Câmaras Municipais de acordo com o Índice de Transparência Municipal avaliado em 2013 sob 7 dimensões

De seguida listo algumas sugestões de melhoria.

Não basta os dados estarem disponíveis se não for fácil encontrá-los e entendê-los. Seria interessante o Índice considerar este elemento (como por exemplo o Índice de Transparência no Brasil que inclui a usabilidade para o cálculo final). Este foi um dos pontos que a própria equipa de projeto identificou como uma limitação desta primeira edição do ITM.

Curiosamente, acredito que a “usabilidade” dos dados não é, necessariamente, uma responsabilidade das autarquias. Existem cidadãos, individuais e coletivos, com obrigação para criarem janelas, transparentes e fáceis de abrir ;), sobre os dados.

Durante a sessão de lançamento do ITM, Bárbara Rosa do Má Despesa Pública referiu especificamente a comunicação social e os partidos políticos. Para além disso, há cidadãos com grande capacidade técnica e artística (porque para mostrar dados também é preciso arte), para dar vida aos dados e torná-los fáceis de usar.

Porém, cabe às autarquias mostrarem-se disponíveis para facilitar este aproveitamento dos dados, respondendo a questões que possa haver, adaptando a formatação dos dados a padrões mais comuns, validando e dando visibilidade ao produto desses esforços privados. E é aqui que seria muito interessante (ainda que extremamente difícil) o Índice entrar: considerando, por exemplo, o número de aplicações criadas que recorrem a dados disponibilizados pela autarquia.

OK, OK, já estou a ouvir desse lado que há autarquias que pela constituição da sua população (quantidade, nível de formação, etc.) ficariam em desvantagem. Não necessariamente. Especialmente considerando que muitas das aplicações que se vão fazendo são feitas em código aberto e que, estando os dados disponíveis, o esforço é mínimo. Um dos objetivos desta plataforma Cidadania 2.0 é poder dar visibilidade a projetos também desse tipo que, ainda que tendo sido criados para uma geografia, possam ser alargados a outros locais (o projeto UrbanFlow é um caso desses, tendo sido criado para Coimbra e incluindo já dados sobre a cidade do Porto).

 

Energy PublicData EU

Energy Public Data EU: um site que ilustra como a “arte” pode contribuir para uma mais fácil leitura dos dados

 

Um participante da sessão de lançamento do ITM, António Rebordão Montalvo, sugeriu que seria interessante o Índice considerar também a transparência intra- e inter-municipal. Na verdade seria. Seria interessante, e muito! Seria também um grande desafio.

Um outro grande desafio mas que sugiro também de grande interesse é a faturação do “impacto” no Índice. Sim, do impacto. Quem me conhece sabe que defendo a avaliação do impacto de tudo o que fazemos (aqui, por exemplo). De pouco importa uma autarquia ser transparente se essa transparência não contribuir positivamente para a região.

Uma análise inicial dos dados já revelou alguma relação entre menor índice de transparência e mais desemprego. Outras análises serão possíveis. E ainda que possamos dizer que alguns destes fatores não são controlados pelas autarquias e que o seu papel é disponibilizar os dados, eu diria que avaliar o impacto da transparência de dados serviria para:

  • enviar uma mensagem clara de que a transparência de dados não é um fim em si mesmo
  • encorajar as autarquias não só a disponibilizarem os dados mas também a encorajarem (e até quem sabe, educarem) as pessoas para o seu uso.

Finalmente, um processo para atribuição de um Índice de Transparência tem de ser, ele próprio, totalmente transparente sob pena de não ser credível. Depois de largos minutos a procurar, lá consegui descobrir os 76 indicadores que servem de base ao cálculo do ITM (estão a partir da página 22 do documento “Resultados e Matriz…” disponível na secção de Documentos do site). O que não encontrei foi uma descrição de quem e como foram “medidos” esses indicadores. Durante a sessão de lançamento recolhi alguma dessa informação (e partilhei aqui), de qualquer forma e atendendo a toda a atenção mediática que o Índice merecidamente conquistou foi uma pena que quem visitasse o site não pudesse obter essa informação.

Publicado por:

   Ana Neves
Sócia e Diretora Geral da Knowman, empresa de consultoria nas áreas de gestão de conhecimento, comunidades de prática, ferramentas sociais e participação cívica digital. É uma das organizadoras do evento Cidadania 2.0 e a pessoa responsável pela plataforma Cidadania 2.0.

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