Ushahidi: open source para situações de crise e não só

De acordo com a Wikipedia, a Ushahidi “é uma empresa de software sem fins lucrativos que desenvolve software livre e open-source para a coleta de informações, visualização e mapeamento interativo”. Com sede no Quénia mas com uma equipa espalhada por todo o mundo, a Ushahidi mantém uma plataforma que tem facilitado a resposta em momentos de crise – ataques terroristas em Nairobi (2014) e terramoto no Haiti (2010), por exemplo – ou intermediado denúncias – corrupção na Índia (2012) ou na Macedónia (2011), etc..

Entrevistámos Nathaniel Manning, Chief Operating Officer da Ushahidi, para ficar a saber um pouco mais sobre esta plataforma open source.

 

Quando é que a Ushahidi nasceu?

A Ushahidi foi fundada em 2008 por quatro bloggers quenianos – Juliana Rotich, Erik Hersman, David Kobia, e Okolloh – em resposta à violência que se seguiu ao processo eleitoral no país. “Ushahidi” significa “testemunho” em suaíli.

 

Quem é que está a usar a Ushahidi como plataforma para os seus projetos e iniciativas?

Há mais de 100.000 instalações de Ushahidi em 159 países e em 45 línguas. São usadas para milhares de propósitos mas principalmente para:

  • resposta a situações de crise,
  • monitorização de direitos humanos, e
  • facilitação de interações entre cidadãos e Governo.

A Ushahidi tem dois tipos principais de utilizadores. Organizações, comunidades, ou ativistas usam a Ushahidi para recolher dados para construir um movimento, aumentar transparência, e defender uma causa dando visibilidade às histórias e aos testemunhos recolhidos. Harassmap.org, Syriatracker.crowdmap.com, ou Index on Censorship, são alguns exemplos.

Mapping Media Freedom

Mapping Media Freedom é um projeto assente na plataforma Ushahidi e criado pela Index on Censorship para mapear violação de direitos, censura e ameaças a jornalistas na Europa

Há também as organizações que utilizam a Ushahidi para as ajudar a responder a uma necessidade específica. Neste caso, alguém reporta um problema através da Ushahidi e a organização recorre à plataforma para avaliar a sua resposta. Aqui encontramos organizações como o Department of Field Services das Nações Unidas que utiliza a Ushahidi em oito países, o Quakemap, a World Vision, ou o Uchaguzi – o projeto para monitorização das eleições quenianas de 2013.

Página do site MILA

MILA é um projeto português que utiliza a plataforma Ushahidi

 

O que distingue a Ushahidi de outras plataformas?

As duas principais diferenças são:

  1. O envio de dados pode ser feito por diversos canais. Isto é, pode-se reportar um problema através de uma mensagem SMS, de uma mensagem de email, de um formulário web, ou de uma mensagem no Twitter.
  2. A Ushahidi assegura toda a cadeia, desde a recolha de dados, à gestão; da análise, à visualização. A maioria das outras plataformas proporciona apenas um destes processos.

 

O que considerado um projeto Ushahidi bem sucedido? Têm algum conjunto de métricas habituais?

A Ushahidi, enquanto organização, fornece a plataforma. Assim, as nossas métricas baseiam-se na utilização da plataforma e não no sucesso de nenhum dos projetos para os quais é usada. Nós acompanhamos o número de instalações para medir o nosso alcance; o número de denúncias e de alertas gerados a partir dessas denúncias para medir o número de vozes que ajudámos a ouvir; e o número de visualizações de página para avaliar o impacto indireto.

Na maioria das vezes os utilizadores do nosso software medem 1) o número de denúncias, 2) o número de denúncias respondidas, 3) o número de alertas gerados e 4) o número de visualizações de página, como formas de avaliar o impacto da instalação.

 

Quais os obstáculos habituais nos projetos Ushahidi?

A Ushahidi, enquanto organização, não é o principal implementador do nosso software. Temos apenas uma mão cheia de projetos que fazemos para nos mantermos perto dos nossos utilizadores e perceber o que precisam no terreno. Isso significa que os nossos obstáculos habituais são os de qualquer empresa de software: criar software de qualidade, conduzir bons estudos de experiência de utilização (UX), trabalhar remotamente atravessando diversos fusos horários, e equilibrar software perfeito com a entrega a horas.

Para os nossos utilizadores, os principais obstáculos são conseguir que a palavra se espalhe na sua comunidade sobre como enviar dados ou fazer denúncias através da sua instalação Ushahidi. Têm de fazer marketing ativo e comunicar à sua comunidade sobre como fazer denúncias, qual o número de SMS, qual o endereço de email, etc..

 

Que dicas pode dar para aumentar a participação dos cidadãos neste tipo de projetos?

Geralmente encorajamos as pessoas a criar as condições e estar preparadas. O principal é passar palavra com antecedência. Fazer simulações, estabelecer parcerias com os meios de comunicação social, e ir para o terreno educar a comunidade sobre como reportar e pedir ajuda. Quando os nossos clientes são cidades, devem criar uma instância da Ushahidi e envolver a cidade continuadamente, ao invés de esforços pontuais em projetos isolados.

 

Nathaniel Manning

Nathaniel Manning, Chief Operating Officer da Ushahidi

Acredita que a plataforma Ushahidi já está a ser usada no seu máximo potencial ou há mais que ainda não vimos?

Há ainda muito que podemos fazer, e planeamos fazer! Temos planos para integrar novas fontes de dados, tal como dados de sensores. Estamos entusiasmados em continuar a aumentar as capacidades de filtragem e aprendizagem-máquina para que as denúncias e os dados enviados possam ser analisados de forma mais rápida e eficiente.

 

Aproximamo-nos do final do ano. O que nos trará 2016 em termos de tecnologia cívica?

Ótima questão. Acredito que em 2016 veremos a continuação do crescimento do mercado de tecnologia cívica. Acredito que muita da tecnologia cívica é apenas para melhorar a comunicação entre aqueles cujas vozes não são ouvidas e aqueles que, supostamente, existem para os servir. Esse é, essencialmente, o propósito da indústria “cívica” – servir as pessoas que representa. E a tecnologia é o meio para atingir esse fim, tornando-a mais inclusiva, efetiva, e fluida.

Penso que vamos ver a tecnologia a envolver-se em processos como o orçamento participativo, a transparência, e a mitigação colectiva de risco (i.e. resiliência). Este último processo é geralmente gerido pelos Governos e as empresas de seguros. Isto é, em caso de desastre cabe aos Governos e às seguradoras a gestão da reconstrução. Penso que vamos ver a tecnologia cívica a melhorar a forma como isto é feito para ambos os tipos de organizações.

Publicado por:

   Ana Neves
Sócia e Diretora Geral da Knowman, empresa de consultoria nas áreas de gestão de conhecimento, comunidades de prática, ferramentas sociais e participação cívica digital. É uma das organizadoras do evento Cidadania 2.0 e a pessoa responsável pela plataforma Cidadania 2.0.

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